Simorgh
a imortalidade ao morrer para tudo
a imortalidade ao morrer para tudo
Encontramos
a essência da Simorgh na Conferência
dos Pássaros, uma extensa e intrínseca parábola escrita pelo poeta sufi
persa, Farid Attar.
Como
prelúdio da Conferência o poeta
invoca: “Louvado seja o Santo Criador...”
“Todos os homens que têm consciência da própria ignorância
arregaçam a fralda das vestes e dizem , sinceros: Ó tu, que não te deixas ver,
embora nos faças conhecer-te, o mundo todo é tu, e ninguém senão tu é manifesto.
A alma esconde-se no corpo, e tu escondes-te na alma. Ó tu, que estás
escondido, és mais do que tudo. Todos se vêem em ti e te vêem em tudo. Visto
que a tua morada está cercada de guardas e sentinelas, como poderemos
aproximar-nos da tua presença?”
O poeta
relembra-nos aqueles que entraram no caminho do espírito, Adão, Noé, Abraão,
Jacob, Moisés, David, Salomão, João Baptista, Jesus Cristo, dizendo “Achas que será fácil chegares ao conhecimento das coisas
espirituais? Significa nada mais e nada menos do que morrer para tudo”
E assim o
poeta dá início à sua obra, referindo que “quisera
repetir-vos o meu discurso dia e noite, para que não deixásseis, nem por um
momento, de ansiar por sair à procura da Verdade”.
A
Conferência dos Pássaros, propriamente dita, começa com a reunião de todos os
pássaros do mundo. Discutem a falta de um Rei no reino dos pássaros; em todos
os países havia um rei para garantir uma
boa administração e uma boa organização. Querem reunir esforços e sair à
procura de um soberano.
Dado o
sinal de interesse e vontade de encetarem demanda, a Poupa apresenta-se-lhes
como a mensageira do mundo invisível. E incentiva-os a iniciar a viagem,
dizendo-lhes: “Temos um Rei de verdade, que vive
atrás das montanhas. Chama-se Simorgh e é o Rei dos pássaros. Está perto de
nós, mas nós estamos longe dele. O sítio que habita é inacessível e nenhuma
língua consegue pronunciar-lhe o nome. O caminho é desconhecido e não
imagineis que o caminho é curto; cumpre ter um coração de leão para percorrer
essa estrada insólita pois ela é longa e o mar é fundo; se vos sujeitardes com
graça, o amado dará a vida por vós.”
Após o
discurso da Poupa os pássaros comentam e falam emocionados ansiando por ter a Simorgh por seu próprio
soberano, e mostram-se impacientes por partir. Mas assim que compreendem a
longa e penosa viagem que têm pela frente, hesitam, e apesar da aparente boa
vontade, entram a escusar-se. Após ouvi-los, a Poupa intervém dizendo: “ Quem prefere a Simorgh à própria vida precisa lutar corajosamente
consigo mesmo. Quando hesitas diante de um golezinho de vinho, como beberás a
grande taça? Se o teu estômago não digere sequer um grão, como participarás do
festim da Simorgh? “ Ao que os pássaros voltam a falar com a Poupa: “Tu te encarregaste de nos mostrar o caminho, tu, o
melhor e mais poderoso dos pássaros. Mas somos frágeis sem penugem e sem penas, como conseguiremos alcançar a sublime Simorgh?”
Diz-lhes a
Poupa: “Ó pássaros sem aspiração!... Quem ama parte
de olhos abertos rumo à sua meta e brinca com a própria vida. “quando A Simorgh
se apresentou fora do véu, radiosa como o Sol, projectou milhares de sombras
sobre a Terra. E quando olhou para essas sombras surgiram pássaros em grande
quantidade. Portanto, os diferentes tipos de aves que se vêem no mundo são
apenas a sombra da Simorgh. Sabei, pois, ó ignorantes, que, quando
compreenderdes isso, compreendereis exactamente a vossa relação com a Simorgh.
Reflecti sobre o mistério, mas não o reveleis; quem adquire este conhecimento afunda-se
na imensidão da Simorgh, embora não pense, por isso, que é Deus.
“ Se a Simorgh não
pretendesse manifestar-se não teria lançado a sua sombra; se tivesse desejado
permanecer escondido, uma sombra não teria aparecido no mundo. Tudo o que é
produzido pela sombra torna-se visível.”
“ Busca a reunião, ou melhor, deixa a sombra e descobrirás o
segredo; se tiveres sorte verás o sol na sombra; mas, se te perderes na sombra,
como realizarás a união com a Simorgh? ”
Os pássaros compreendem alguns dos mistérios antigos que a Poupa lhes fala. Mas hesitam em partir. A Poupa fornece-lhes histórias e parábolas até que decidem renunciar ao seu modo de vida anterior. E concluem que para iniciar a viagem precisam de um guia que os oriente e a quem obedeçam.
Os pássaros compreendem alguns dos mistérios antigos que a Poupa lhes fala. Mas hesitam em partir. A Poupa fornece-lhes histórias e parábolas até que decidem renunciar ao seu modo de vida anterior. E concluem que para iniciar a viagem precisam de um guia que os oriente e a quem obedeçam.
A Poupa foi
a escolhida.
No sítio indicado para a partida, eram tantos os pássaros reunidos que ocultavam a lua e o peixe. Mas ficaram muito assustados mal viram a estrada que tinham pela frente, uma estrada tão deserta, sem fim e, às perguntas que lhe colocavam, a Poupa fornecia-lhes histórias e parábolas. E após várias interpelações falou-lhes dos 7 vales que tinham de cruzar para descobrir a Simorgh: “ Temos 7 vales para cruzar, e só depois de havê-los cruzado descobriremos a Simorgh.” ... O primeiro Vale é o Vale da Busca, o segundo o Vale do Amor, o terceiro o Vale da Compreensão; o quarto é o Vale da Independência e do Alheamento, o quinto o Vale da Unidade, o sexto o Vale do Espanto; e o sétimo é o Vale da Privação e do Nada, além do qual não se pode ir. Cada Vale apresentava as suas provações e aprendizagens que a Poupa explicava por histórias e parábolas.
Alguns
pássaros mal ouviram o discurso da Poupa morreram ali mesmo. Outros, porém,
apesar da angústia, decidiram enfrentar a longa estrada. Durante anos transpuseram
montanhas, vales. Sofreram.
“Por
fim, somente um pequeno número de toda a grande companhia chegou ao lugar
sublime a que a Poupa os conduzira. Dos milhares que haviam iniciado a viagem
quase todos tinham desaparecido. Muitos se perderam no oceano, muitos pereceram
nas grimpas das altas montanhas, torturados pela sede; o fogo do sol crestara
as asas e secara o coração de outros tantos; alguns foram devorados por tigres
e panteras; e outros se finaram de fadiga nos desertos e nas selvas, com os lábios
ressequidos e o corpo vencido pelo calor; outros, enlouquecendo, mataram-se por
um grão de cevada; outros, debilitados pelo sofrimento e pela estafa,
deixaram-se cair na estrada, incapazes de prosseguir; outros, pasmos diante do
que viam, detinham-se, estupefactos; e muitos que se tinham aventurado por
curiosidade ou desfastio, morreram sem ter tido uma ideia sequer do que se
mostravam decididos a encontrar.
Destarte, apenas trinta dentre os milhares de pássaros chegaram ao
termo da jornada. Mostravam-se perplexos, cansados, desanimados,
sem penas nem asas. Mas, fosse como fosse, haviam chegado à porta da Majestade
que não se pode descrever e cuja essência é incompreensível- o Ser que está
além da razão e do conhecimento humano. Coruscou, então, o relâmpago da
realização, e uma centena de mundos se consumiu num momento. Eles viram
milhares de sóis, um mais resplandecente do que o outro, milhares de estrelas e
planetas, todos igualmente belos; e, ao verem tudo isso, assombrados e agitados
como um átomo bailarino de pó, exclamaram:
Ó tu, que és mais radiante do que o sol! Tu, que reduziste o sol a
um átomo, como poderemos apresentar-nos diante de ti? Ah, por que suportamos
tão inutilmente todo esse sofrimento no Caminho? Tendo renunciado a nós mesmos
e a todas as coisas, agora não podemos alcançar a razão por que tanto lutamos.
Aqui, pouco faz que existamos ou não.
E os pássaros tão descoroçoados quanto um galo semimorto,
deixaram-se dominar pelo desespero. Longo tempo se passou. Quando, em dado
momento, a porta se abriu de estalo, por ela saiu um nobre camarista, um
cortesão da majestade Suprema, que os contemplou, um por um, e viu que, de
milhares, restaram apenas trinta. E disse:
Agora, Ó pássaros, dizei-me de onde viestes e o que estais fazendo
aqui? Como vos chamais? Ó vós, que chegais privados de tudo, onde fica o vosso
lar? Como sois chamados no mundo? Que se pode fazer com um frágil punhado de pó
como vós?
“Viemos” responderam eles, “para reconhecer a Simorgh, nosso rei.
Mercê do amor e do desejo dele, perdemos a razão e a paz de espírito. Há muito
tempo, quando encetamos esta viagem, éramos milhares, mas apenas trinta
chegamos a esta corte sublime. Não podemos acreditar que o rei faça pouco de
nós depois de todos os sofrimentos por que passamos. Ah, não! Ele só poderá
contemplar-nos com os olhos da benevolência!”
O camarista replicou:
“Ó vós, que tendes a mente e o coração perturbados, quer existais,
quer não existais no universo, o rei tem sempre e eternamente o seu ser.
Milhares de mundos de criaturas não são mais que uma formiga à sua porta. Nada
trazeis além de gemidos e lamentações. Regressai, portanto, ao sítio de onde
viestes, ó vil punhado de terra!”
Ouvindo isso, os pássaros ficaram petrificados de espanto. Não
obstante, quando tornaram um pouco de si, disseram:
“o grande rei nos rejeitará tão ignominiosamente? E se ele, de
facto, assumiu essa atitude para connosco, não poderá mudá-la para uma atitude
de respeito? Lembrai-vos de Majnum, que disse: “se todas as pessoas que habitam
a terra desejassem entoar meus louvores, eu não os aceitaria; quisera antes
receber os insultos de Laïla. Apenas um dos seus insultos me seria mais caro do
que uma centena de cumprimentos de outra mulher!”
“O relâmpago da sua glória manifesta-se.”, disse o camarista, “e
eleva a razão de todas as almas. Que benefício haverá se a alma for consumida
por uma centena de tribulações? Que benefício haverá, neste momento, na
grandeza ou na pequenez?”
Inflamados de amor, disseram os pássaros:
“Como se salvará da chama a mariposa que deseja unir-se a ela? O
amigo que buscamos nos contentará permitindo que nos unamos a ele. Se formos
recusados, que mais nos restará fazer? Somos iguais à mariposa que anelava a
união com a chama da vela. Rogaram-lhe que não se sacrificasse tão nesciamente
e por um objectivo tão impossível, mas ela agradeceu o conselho e declarou que,
tendo sido o seu coração dado à chama para sempre, nada mais importava”.
Tendo-os assim posto à prova, o camarista abriu a porta; e, à
medida que descerrava as cem cortinas, uma atrás da outra, revelou-se-lhes um
novo mundo além do véu. Manifestava-se agora a luz das luzes, e todos se
assentaram na masnad , sede da Majestade e da Glória. Cada qual recebeu um
escrito com a recomendação de lê-lo do princípio ao fim; e, lendo-o e
reflectindo, foi-lhes possível compreender o próprio estado. Quando se viram
totalmente em paz e alheados de todas as coisas, perceberam que a Simorgh se
achava ali em sua companhia e que uma nova vida começava para eles na Simorgh.
Tudo o que haviam feito anteriormente se apagou. O sol da majestade emitia os
seus raios, e, no reflexo do rosto de cada um, os trinta pássaros (si-mourgh)
do mundo exterior contemplaram o rosto da Simorgh do mundo interior. Isso os
espantou de tal maneira que não sabiam se ainda eram eles mesmos ou se se
haviam transformado na Simorgh. Afinal, num estado de contemplação,
compreenderam que eram a Simorgh e que a Simorgh era os trinta pássaros. Quando
fitavam os olhos nele, viam que, de facto, a Simorgh lá estava, e, quando
voltaram os olhos para si mesmos, viam que eram a Simorgh. E, dando tento de
ambos ao mesmo tempo, de si próprios e dele, compreenderam que o mesmo eram
eles e a Simorgh. Ninguém no mundo ouviu jamais coisa igual a essa.
A seguir,
entregaram-se à meditação, e, passado algum tempo, pediram a Simorgh, sem
auxílio da linguagem, que lhes revelasse o segredo do mistério da unidade e da
pluralidade dos seres. E mesmo sem falar, a Simorgh deu-lhes esta resposta:
“O sol da minha majestade é um espelho. Quem nele se vê, vê a sua
alma e o seu corpo, e vê-os completamente. Visto que viestes como trinta
pássaros, si-mourgh, vereis trinta pássaros neste espelho. Se tivessem vindo
quarenta ou cinquenta, seria o mesmo. Ainda que estejais agora completamente mudados,
vós vos vedes como éreis antes.
“Pode a
vista de uma formiga alcançar as plêiades distantes? E pode esse insecto erguer
uma bigorna? Já vistes, alguma vez, um mosquito segurar um elefante com os
dentes? Tudo o que conhecestes, tudo o que vistes, tudo o que dissestes ou
ouvistes- tudo isso já não é aquilo. Quando atravessastes os vales do Caminho
Espiritual e realizastes boas tarefas, fizestes tudo por minha acção; e
pudestes ver os vales da minha essência e das minhas perfeições. Vós, que sois
apenas trinta pássaros, fizestes bem em ficar espantados, impacientes e
curiosos. Mas eu sou mais do que trinta pássaros. Sou a própria essência da verdadeira Simorgh. Aniquilai-vos, pois, gloriosa e jubilosamente em mim, que
em mim vos encontrareis.”
Logo depois perderam-se os pássaros para sempre na Simorgh- a
sombra perdeu-se no sol, e isso é tudo.
O poeta
termina dizendo que ninguém pode falar com
propriedade da morte ou da imortalidade. Busca o tronco da árvore e não te
preocupes em saber se os galhos existem ou não.
Entra em ti
mesmo... Enquanto não compreenderes o teu nada e não abdicares da tua
presunção, da tua vaidade e do teu egoísmo, não atingirás a culminância da
imortalidade.
Parábola magnifica para reflexão sobre a nossa essência e o caminho a precorrer para alcançar a própria essência.
ResponderEliminarObrigada Luísa pela tua capacidade de seres a Poupas